25 de janeiro de 2013

deixa que eu te toque o medo

(foto: carlos silva)

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DEIXA QUE EU TE TOQUE O MEDO

Deixa que eu te toque o medo,
o gesto infantil de um gesto adulto.

Lancina-me; eu te ofereço o choro recém-nascido
neste poema, território expatriado até de temores.

Há poemas que tudo desperdiçam: por exemplo, crianças.
Deixe que eu te salve, ao menos, um menino.

Eu que rebento a cara na tradição das pedras - Sophias águas;
que não desisto de profanar oceanos;
que me abro como um mar perante Moisés.

Deixa que entregue os frutos para as setas;
alimente o cheiro, ardor da fome
em meio a bicadas, a flechas;

que desperdice o fruto: um beijo que não vinga,
um sangue ausente, um poema -

pássaro de espuma sobrevoando meu silêncio,
sob a senda feroz de minhas gerações; não verei.

Porque tive muita fome e me dei de comer;
porque sou carne para a alma;
tanta alma para a carne.

Rebusca abrigo, ódios não refrearão;
o amor é só uma gruta,
mas descende das formas que origina.

Havíamos combinado o reduto escuro: não temas
minhas mãos, de imaginar, não chegam ao corpo.

Então ouso a língua pátria, perfurando a boca da mãe;
o artista toca a escrita, enquanto o mundo é oficina;
as meninas estampam seus risos de esculpidas.

Eu me recosto à pedra, reduto escuro, não temas,
deixa que eu te toque o medo.

A mim, basta retomar a vida a rebordo
de um barco em que me bebam ar e proa.

Depois de naufragar, resta pouco mais da morte;
multiplico o abandono de nascer.

Não há o que não possa ser amado,
não há tempo que esconda este tempo.

Enquanto a vida se esvai em ondas,
sal do ignoto, sou o que há de vir.

Acordo tua cidade de palavras;
o vento aduaneiro entrega-nos a maresia.

Quantas vezes, quantas vezes dizer: o mar!

Minha alegria encharcada deste nada,
condicionada a nada, branda euforia,

gemendo espectros e prismas
por hordas dissolvidas de cores
e mãos intocadas.

Deixa que penetre o transe,
fluido repetir:

ser esta morte em medo viva,
tombando como um forte

(sempre imaginei que o forte à praia de minha infância
pudesse ser tombado
pela força de menina).

Que o forte caia ao sonho humano,
mar de tantos mares;

que o medo negue o medo,
para que sejamos

idas velas da incerteza,
içadas ao devir,
rasgando-se nas pedras.

***

Roberta Tostes Daniel


10 de janeiro de 2013

| sobrehumano |

foto: carlos silva

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| sobrehumano |

[scripturient: violento desexo de escribir]


algo a sobrevoarnos
garra de ar
envolta en ar

o pétreo arela o etéreo
o papel, saír voando
pénsalo co hemisferio sur
do teu hemisferio dereito
os hemisferios
esquecidos

lembras a vella conversa sobre os poderes?
eu si. durmín no parque
onde falamos diso
tantas veces

o da invisibilidade
e a súa levitación
pero tamén o de sermos
remontados
agarrarte –garra- ao que te sobre
voa

aeroxeradores de Paxareiras
xirades en nós coma intestinos
coma o instinto no émbolo de tres oídos internos

rapaz, viras en nós
voraz
voraz

medramos a cada golpe de talón
da techné
techné arachné acóllenos en ás
de araña
fío a fío
o somos xa con creces
falcóns a visitarnos acendidos
o seu carbono excítanos coma aos monos que tal somos

tomamos calquera tinta nas mans nosas:: e escribimos::
é tan loucura facelo::
como deixar de facelo

desescribimos::
sobre o xeo que creba::
e que non creba

xeo seco
ar
e

peregrinos en picado
sobre os miolos que escriben
mulleres e homes fractais
coma nenos
entre os fentos
miolos a escribiren
a xermolar baixo unha chousa de ósos
e a felicidade

e a felicidade

que nos devora
Estíbaliz…Espinosa