23 de janeiro de 2012

a solidão dos cadeados

(foto: carlos silva)


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A solidão dos cadeados


Confirmo para mim a solidez dos cadeados.
Ana Cristina César


Um beijo pode recusar-se
a recriar o Big Bang original,
mas se a boca for injusta e o colóquio
terminar num naufrágio
não é tanto a expansão que conta,
nem o afastamento progressivo das galáxias
e dos mares, mas a neurocirurgia do acaso,
a autópsia do contacto acidental,
agora que ficamos despenteados
pelo predilecção, incapazes,
sem palavras, espantados
com o que ainda devemos
ao espanto,
a partir de quando a chave
deixou de abrir hipóteses irmãs,
pequenas apoteoses em conserva,
vidas fechadas ao público em geral?

Um cadeado guarda segredo quanto à sua inutilidade.
Prepara-se para servir de piercing
no sobrolho do tempo,
e oxidar.
13 ou 14 biliões de anos
é o tempo médio de cicatrização
quando aplicado no lábio, na língua ou no mamilo
do cansaço, e não sei quantos mais se os preferirmos
na fina cartilagem do erro,
ou na vulva misericordiosa da saudade.

Mas não nos alonguemos mais: há pequenas promessas
petrificadas no que resta da Pompeia portátil dos amantes.
Neoplasias lendárias do metal.

andré domingues



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